29 março 2013

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Deixo em paz as Margaridas



    Os dias correm sobre os trilhos de horas intermináveis e sou obrigada a atravessá-los nesta lentidão muda e angustiante. Perdi-me em meio ao tempo e seu significado relativo. Já não consigo entender se os ponteiros deste relógio estão indo ou voltando, se estou na direção do futuro ou se estou parada num presente que corre ao contrário neste calendário pela metade.

     Minha vida anda solta, como um ponto sem nó, foi refreada no exato momento em que a linha quebrou e a costura saiu torta, não tem como remendar este pedaço, então alguém pode me explicar o porquê de eu ainda tentar fazê-lo?

    E se insisto em não querer ver o que está errado vou flutuando nestas divagações tolas, propósitos em rota de colisão e despropósitos bem planejados. Meu vestido desbotado é feito de medo, incerteza, meu reflexo mostra apenas a ilusão do que eu penso ser a face mais real de mim, mas em algum lugar mais ao fundo desta confusão algo me diz que posso ser mais firme e um pouco maior, custo a acreditar, porque alguém me distrai.
                 
    E se em algum momento fosse possível despir-me do que não sou, se houvesse então a possibilidade, mesmo que ínfima, de deixar de ser esta versão malfeita de mim mesma? Um lugar para onde ir e voltar outra, menos metade, mais leve, mais verdade, mais liberdade. Talvez haja, quem sabe?

     Não quero mais sentir esse coração que bate lento e a respiração inalterada, não quero mais essa imensa brandura, este tédio anunciado. Alguém pode me dizer para onde foi o calor, a força, o arrebatamento? E os abraços, para onde foram? Viraram casa onde não caibo mais. 

    Quero abrir meus olhos e o meu coração mesmo que sangre, pois já não suporto mais este silêncio, este sono sem sonhos, esta calmaria forjada. Estas coisas dão-me a impressão de que estou oca, pra onde foi minh’alma? E este amor, quase sem dono? E eu que vou deixando de me pertencer? Não aguento mais este acúmulo de sentimentos que me enfraquecem, debilitam, afrouxam-me as forças. Não quero mais estar fria, áspera e só.

     O que me pertence agora não passa de alguns suspiros tolos e esperanças fragmentadas. Cheguei a pensar que era dona das palavras, mas a bem da verdade estas me foram tiradas a força e atiradas indiscriminadamente por ai, foram mastigadas e cuspidas, pisoteadas e jogadas a beira de tantos outros caminhos que não o meu, foram semeadas em ventos gélidos e as poucas que restaram perderam-se em sentido, fui roubada. De resto sobra ainda uma dúvida que incomoda como uma dor contínua e persistente que em primeiro momento mostra-se invariável e crônica. Quero então poder renunciar a tudo isso.

      Aqui então me cabe repousar o pensamento nas Margaridas. Lembro do que me foi dito uma vez: “Elas te darão a resposta”. Era mentira, engano, tolice. Minhas dúvidas dariam as flores um fim indigno de sua existência, gastaria suas pétalas delicadas com uma indagação que de tão estúpida não merece sequer ser atribuída aos gestos de um romantismo exacerbado. Bem – me – quer – mal – me – quer?  Por que matar as flores inocentes em busca de respostas que elas em sua natureza singular não podem dar? Deixo em paz as margaridas e grito ao pé do teu ouvido: Bem me quer ou mal me quer?

      Sim, eu estou falando de amor ou da ausência dele. Em que momento ele partiu? Quando deixou de ser real?

      Resolvo então que é hora de despir-me deste vestido sujo de medo, ignorar este relógio indeciso e o seu tic-tac no meu peito, hora de por os pés no chão, de abrir os olhos e o coração, deixar que sangre e que cicatrize. Encaro você que tem as respostas, sim, você que me disse amor. O que nos tornamos afinal? Consegue me explicar o que há dentro de você, ou já está vazio demais pra ser possível distinguir? Aqui ao meu lado tens uma presença opaca, fria, te vejo sempre insensível a dor que se alastra pelo meu corpo até a ponta dos dedos e que verte impiedosa pelos meus olhos cansados. Por que você já não se importa mais? Por que ainda insiste em ficar se não queres mais? Por que alimentas este animal extinto que outrora se chamava amor? Por quê?

     Desce desse muro, me olha nos olhos e para de escolher palavras bonitas, elas não conseguem mais compensar a tua inabilidade em agir, em sentir. Escolher palavras é fácil, vê-las dissolverem-se em não concretismos é que não é, forjar sentimentos é fácil, perceber que tudo não passa de uma falsidade mal arquitetada é que não é. Estar no teu lugar é fácil, estar no meu é que não é. Se me permites dizer, cansei desse teu qualquer coisa, é tão mesquinho. Cansei de te esperar chegar e ver que só viestes ainda menos que a metade. Cansei de perder o sono por causa desta tua indecisão que também é minha. Já faz tanto tempo que já não somos muito.

     Eu não vou mais ficar aqui parada, esperando que o dia termine, esperando você resolver se quer ou não me amar um pouco mais. Cansei de me reconstruir e ver você pisoteando todo o meu esforço com o seu descaso medíocre. Porque você me alimenta, me acaricia, me abriga entre estes teus braços frígidos e diz que volta, mas tudo o que você faz é ir embora e cada vez mais demora a voltar. Tudo o que você faz é me deixar aqui pra depois rir dessa minha solidão, rir por me ver a mercê de qualquer coisa, carente de você, relegada ao amargo de um acaso qualquer.

   Se você prefere insistir nesta brincadeira, sou eu quem decide por nós, então. Fique se quiser, porque eu vou embora. Desato todos os nossos nós. Reconheço meus limites e aqui é a nossa última estação, eu tenho outro trem a tomar. Entendo assim que o teu silêncio é a minha resposta e o que eu tenho a dizer? Cansei. Não ouviu? Então eu repito: CANSEI! Se você prefere o banho maria, sinto muito, mas eu prefiro o fogo alto, melhor queimar inteira do que nem chegar a ferver. Não quero mais metades, nem mentiras, nem silêncios, incertezas, desalento, acasos e descasos; não quero mais você.


Mayra Borges

Comentários
10 Comentários

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  1. Adorei a indecisão não devia existir,acho que se tem que escolher entre um ou outro,nada de ficar em meio termos.
    beijos

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    1. Os meios termos tornam-se enfadonhos ao decorrer de qualquer história.

      Beijão. Lola.

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  2. Sabe, eu meio que precisava ler isso. Não sei, minha mente está uma bagunça e tuas palavras colocaram mais lenha na fogueira...de um jeito bom, acho.
    Beijos amore♥
    http://menina-do-sol.blogspot.com.br/

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    1. A mente costuma nos pregar peças demais, às vezes é preciso deixar de lado a desordem dos pensamentos e apenas sentir.

      Beijão, querida.

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  3. Pior resposta é o talvez.
    A inércia atrasa a vida.
    Não prenda as lágrimas, elas te libertarão.
    E no mal te quer, bem te quer muitos te dirão: Bem te quero.

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    1. Nada pela metade é suficiente, ou tudo ou nada.

      Bonitas palavras, Claudio.

      Beijos.

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    2. Obrigado querida.
      Eu também adoro tuas visitas.
      Quanto ao Júlio André - risos - o texto é ficção, mas o personagem foi baseado em uma pessoa real.
      Beijo.

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    3. Tenho até dó desta criatura. rs

      Beijão, Claudio.

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  4. "Se preferes o banho Maria eu prefiro o fogo alto, prefiro queimar inteira a nem chegar a ferver."

    Eu também prefiro o fogo alto, mas por enquanto tô deixando no banho maria. Flor nem sei o que dizer sobre esse texto, parece que foi escrito por mim, devido a acontecimentos de ontem, sério!
    Tô estasiada, desculpe não fazer um comentário a altura do texto que esta ótimo!

    Beijos

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    1. Existem outras histórias entre as linhas, e uma narrativa pode contar tantos momentos, saber que alguém encontra abrigo em meio a minha própria fuga é algo admirável.

      Muito feliz por seu comentário e visita. Beijão, Ariana.

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"Quero desesperadamente ser uma sacudidora de palavras para o mundo"
- Markus Zusak